sábado, 1 de dezembro de 2012





Maria falando ao coração das donzelas                                 
pelo Abade A. Bayle, 1917

I. Não é suficiente a uma virgem cristã preservar-se somente do pecado mortal, a fim de não merecer o inferno, é preciso ainda que se preserve do pecado venial, se deseja que Deus a ame com aquela ternura de afeto que testemunha as almas que lhe são mais queridas. Ah! Se tu conhecesses o valor do amor divino, não terias desejo mais vivo que merecê-lo em toda a sua plenitude se, contentando-te com não o irritar gravemente, te não preservas das culpas veniais que ofendem a sua bondade, se te não preservas dessas mentiras, dessas palavras picantes que arremessas a tuas companheiras, desobediências, curiosidades perigosas, delírios de impaciência, pensamentos frívolos.
Deus detesta os sonhos ociosos, as longas horas perdidas diante do espelho ou nessas futilidades que preenchem a vida de tantas filhas do século. Não me digas que não podes evitar essas culpas. Reconheço que no estado de corrupção em que estás não pode, sem um favor especial de Deus, preservar-te de todas as culpas veniais que podem fazer-te cometer a falta de coragem, a ignorância e a fragilidade humana; mas essas culpas ofendem tanto a majestade de Deus que conhece bem a tua fraqueza. Se não podes evitá-las todas, podes ao menos e deves aborrecê-las. Porém, não podes dizer que detestas aquelas que cometes voluntariamente, a olhos abertos e mesmo com delírio. Tu bem vês por tais erros que não estimas Deus como Ele merece, e que, se te absténs de O ofender gravemente, é apenas o medo do castigo que te estorva. Não terias vergonha de fazer-Lhe os mais graves ultrajes, se o pudesses ultrajar impunemente. Tal é, pois, ó minha filha, o amor que sentes por Deus? Aquele que O ama com um coração sincero e filial, não indaga com subtileza até onde pode chegar sem O ofender gravemente, mas preserva-se de tudo aquilo que pode causar-Lhe desgosto. São os escravos e os mercenários que obram com semelhante precaução.

II. É a pouca importância que tu ligas às culpas veniais, Minha filha, que te faz cometê-las em tão grande número e com tanta facilidade. São pequenas coisas, dirás tu, bagatelas de que não é preciso fazer grande caso; mas se conhecesses a majestade de Deus, não chamarias pequeno um mal que O ofende. O pecado venial, comparado ao pecado mortal, que tem uma maldade infinita, é pouca coisa sem dúvida, mas relativamente ao Deus que ofende, é um mal tão grande, que todo o outro mal deste mundo em comparação dele, nada é. É um mal tão grande, que não se podia cometer, mesmo para impedir a ruína do mundo inteiro. É um mal tão grande que se todos os santos ainda vivos sobre a terra, todos os que reinam já no céu, e todos os espíritos venturosos do paraíso estivesses a ponto de se perder, e que, cometendo um só pecado venial, uma só mentira se pudesse impedir uma tão grande ruína, não se deveria de modo nenhum cometer, conviria antes deixar morrer tudo. A causa é evidente: é que toda a ofensa cometida para com o Criador, por mais leve que seja, é infinitamente mais grave que o bem de todas as criaturas existentes e possíveis. Compreende daqui, Minha filha, se o pecado venial é um ligeiro mal. Entretanto, tu cometestes tantos cada dia e, o que Me aflige ainda mais, acintemente, animas-te, dizendo: - Deus é bom e perdoar-me-á.
Sem dúvida Ele é bom, e se o não fosse, que desgraça seria a tua! Mas por que Ele é bom, ser-te-á permitido ultrajá-lO sem comedimento, ainda que por culpas leves? Deus é bom, mas é justo também. Ora, em virtude da Sua justiça, como trata as almas que, durante a vida, se tem santificado pela prática das mais sublimes virtudes se, depois da morte, são encontradas cúmplices duma culpa venial? Ainda que as ame ternamente, não deixa de condená-las às chamas do purgatório. Vós não saireis mais daí, lhes diz Ele, enquanto não tiverdes pagado a vossa dívida até ao último óbolo. Convém considerar bem, ó Minha filha, que as culpas veniais dispõem insensivelmente ao pecado mortal, como as doenças dispõem à morte, impedindo-te de te dirigires para Deus com o transporte e o amor que sentem as almas que O amam verdadeiramente.
Não sentes tu tibieza, ó Minha filha, quando tens cometido tantas dessas culpas veniais? Não conheces que não podes nesse caso formar um desejo verdadeiramente cheio de amor por Deus, arremessar-te para o lado do teu verdadeiro bem com fervor, aproximar os lábios daquela fonte de toda a consolação, e tirar dela os socorros que fortificam o espírito? O teu coração acha-se oprimido por um peso que o inclina para as coisas da terra e o faz sentir desgostos e enfado pelas coisas do céu. Em tal caso, ama-se, mas não é Deus; fatiga-se e sofre-se, mas com impaciência, sem pensar em oferecer generosamente a Deus as suas dores; reza-se, mas sem devoção: aproxima-se dos sacramentos, mas sem fervor. Além disso, as culpas veniais impedem que Deus se una a ti com aquela abundância de graças que te derramaria se não encontrasse tais obstáculos.
Se as tuas infidelidades veniais te não tornam em objeto de horror para Deus, fazem pelo menos que Ele te olhe com desprazer e desgosto. Elas têm ainda um outro efeito funesto. Multiplicando-se cada dia, enfraquecem sempre mais as forças da tua alma, abrem às paixões uma via mais larga, excitam mais tumultuosamente os sentidos e os instintos desregrados. Então, a fé enfraquece, a esperança desfalece, a caridade resfria, e faltando cada vez mais os alimentos, termina por morrer. Oh! Desgraçada da alma que chega a uma culpa mortal depois de ter atravessado uma multidão de pecados veniais. A infeliz não conhece o que há de mais horrível no seu estado, não se assusta mais dele. A consciência adormecida por um longo hábito nunca mais reclama com força, não trata de sair desse estado pela penitência; e a alma perde-se facilmente.

Afetos. À luz dessas verdades reconheço, ó Minha Mãe, a cegueira daqueles que não ligam importância nenhuma às culpas veniais e sobretudo reconheço qual tem sido no passado a minha cegueira de ter tido tão pouco cuidado em preservar-me dessas culpas. Olhava o pecado venial como um ligeiro mal, por que não refletia na injustiça que ele faz a Deus e as funestas conseqüências que arrasta consigo. Como se pudesse bastar a alma cristã evitar as culpas graves, cometia as culpas ligeiras sem remorsos.     Agora compreendo todo o mal cometido em qualquer ofensa que seja à majestade infinita de Deus que me criou, me conserva e governa, que me remiu e não cessa um momento de me cumular de favores e graças, apesar da minha indignidade.
Compreendo que a gente se expõe ao perigo de se perder eternamente, não fazendo caso algum das culpas veniais, por causa das funestas conseqüências que as seguem.
Ó meu adorado Jesus, soberanamente amante! Vil criatura que eu sou, não cessarei nunca de Vos ofender? Ah! Eu reconheço qual tem sido a minha vida passada, por Vos ter tão pouco amado e estimado. Eu Vos peço humildemente perdão. Para reparar o mal que tenho cometido e evitá-lo de futuro, prometo-Vos que quero ser de hoje em diante tão atenta a fugir às culpas veniais, como mesmo ao pecado mortal. Serei fiel, Senhor, a promessa que faço. Concedei-me essa graça, pelos merecimentos de Maria, Vossa Mãe Santíssima e minha. E Vós, Virgem puríssima, castíssima e inocentíssima, não cesseis de orar por mim a fim de que possa obtê-la.

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