domingo, 12 de janeiro de 2014

Magistério da Igreja e desenvolvimento da doutrina

Magistério da Igreja e desenvolvimento da doutrina[editar | editar código-fonte]

Cardeal Newman(século XIX) refletiu muito sobre o desenvolvimento da doutrina.25
Tradição, seja ela oral ou escrita, é interpretada e aprofundada progressivamente pelo Magistério da Igreja Católica, que deve ser obedecido e seguido pelos católicos. Isto porque o Magistério é a função de guardar, interpretar, trasmitir e ensinar a Tradição, que é própria da autoridade da Igreja, mas mais concretamente do Papa e dos bispos unidos ao Papa.26 Ao acreditar que as Tradições oral e escrita "devem ser recebidas e veneradas com igual espírito de piedade e reverência", a Igreja defende que as suas verdades de fé não estão só contidas na Bíblia e que a própria Bíblia só pode ser verdadeiramente interpretada e vivida no seio da Igreja Católica. Aliás, foi com base na sua interpretação que a Igreja escolheu os livros pertencentes ao cânon bíblico.20 27
A Igreja acredita que, "apesar de a Revelação já estar completa, ainda não está plenamente explicitada. E está reservado à fé cristã apreender gradualmente todo o seu alcance, no decorrer dos séculos."19 Por isso, a Igreja admite o desenvolvimento progressivo da sua doutrina, resultante da sua interpretação gradual daRevelação divina (ou "crescimento na inteligência da fé"), que se acredita ser orientada pela graça do Espírito Santo. Mas, este desenvolvimento doutrinal não muda nem acrescenta nada à matéria da própria Revelação, que é inalterável. Por outras palavras, o Magistério da Igreja, ao meditar e estudar a Revelação imutável, aperceber-se-ia gradualmente de certas realidades que antes não tinha compreendido totalmente.5 25 28
O processo do desenvolvimento da doutrina, que necessita de ser sempre contínuo e fiel à Tradição, implica a definição gradual de dogmas, que, uma vez proclamados solenemente, são imutáveis e eternos.5 Mas, isso "não quer dizer que tais ver­dades só tardiamente tenham sido re­veladas, mas que se tornaram mais cla­ras e úteis para a Igreja na sua progres­são na fé."29

Dogmas, verdades de fé e hipóteses[editar | editar código-fonte]

Existe uma hierarquia que divide e classifica as várias verdades de fé professadas pela Igreja Católica, já que a sua relação com o "fundamento da fé cristã" é diferente. Esta hierarquia diz respeito apenas à importância e interligação das verdades de fé, já que todas elas devem ser acreditadas pelos católicos.30
Desse modo, existem os dogmas, que são as verdades de fé infalíveis e imutáveis que constituem a base da doutrina católica.5 31 Os dogmas são definidos e proclamados solenemente peloSupremo Magistério (Papa ou Concílio Ecumênico com o Papa 32 ) como sendo verdades definitivas, porque eles estão contidos na Revelação divina ou têm com ela uma conexão necessária.33Uma vez proclamado solenemente, nenhum dogma pode ser alterado ou negado, nem mesmo pelo Papa ou por decisão conciliar.5 Por isso, o católico é obrigado a aderir, aceitar e acreditar nos dogmas de uma maneira irrevogável.33
Além dos dogmas, existem as definições doutrinárias que não estão ainda completamente desenvolvidas, ou que, já completamente desenvolvidas, não foram ainda declarados dogmas, porque o Magistério da Igreja Católica não viu necessidade para tal. Consoante o seu grau de desenvolvimento doutrinal, essas definições podem ser classificadas em:5
  • verdades de fé, que, mesmo não sendo dogmas, já são objeto de crença e reverência por todos os católicos, podendo ainda sofrer algum desenvolvimento doutrinal posterior e, se necessário, serem eventualmente declarados dogmas;5
  • verdades próximas à fé, que faltam pouco para se tornarem em verdades de fé;5
  • hipóteses, que podem ser acreditadas ou não pelos católicos e que permanecem somente como temas de reflexão por parte de teólogos devidamente credenciados pela Santa Sé. Estas hipóteses, formuladas a partir do estudo da Bíblia ou da Tradição católica, suscitam dúvidas porque não estão expressamente definidas lá.5

Ortodoxia, heterodoxia e heresia[editar | editar código-fonte]

Além da doutrina oficial ou ortodoxa proposta pelo Magistério da Igreja Católica ordinariamente através do munus docendi (dever de ensinar) do bispo em comunhão com o Papa e extraordinariamente através dos Concílios Ecumênicos e definições pontifícias solenes, apareceram ao longo da história várias versões teológicas heterodoxas. Esses desvios do ensino normativo da Igreja podem ser combatidos através da catequese e discussões ou condenados solenemente pela Igreja.34 35 Um dos exemplos mais paradigmáticos de versão teológica heterodoxa é a teologia da libertação, de forte inspiração marxista, que foi corrigida pela Instrução Libertatis Nuntius36 .
As heresias são doutrinas heterodoxas desenvolvidas por baptizados cristãos que negam e duvidam explicitamente de um dogma ou verdade fundamental católica. Qualquer herege, excepto os nascidos e baptizados em comu­nidades não-católicas ou aqueles que caíram em heresia ou cisma antes dos 16 anos, é condenado com a excomunhão latae sen­tentiae e com outras penas canónicas, como a demissão do estado cleri­cal, no caso do herege ser um clérigo. Algumas das principais heresias condenadas pela Igreja foram o gnosticismo (século II), o maniqueísmo(século III), o arianismo (século IV), o pelagianismo (século V), a iconoclastia (século VIII), o catarismo (século XII-XIII), o protestantismo (século XVI), o anglicanismo (século XVI), o jansenismo(século XVII) e o modernismo (século XIX). Hoje, a Igreja considera o relativismo moral e doutrinal como a grande heresia actual.35

Supressão da heresia: a Inquisição[editar | editar código-fonte]

Inquisição refere-se a várias instituições criadas para combater e suprimir a heresia no seio da Igreja Católica. A Inquisição medieval foi juridicamente instituída em 1231. A instalação desses tribunais eclesiásticos era comum na Europa a pedido dos poderes régios, nomeadamente em Espanha (1478) e em Portugal (1531/1536), onde ambas dependeram muito do poder civil.37 38 39
O condenado era muitas vezes responsabilizado por uma "crise da fé", pestes, terremotos e miséria social, sendo entregue às autoridades do Estado para que fosse punido. As penas variavam desde o jejum, multas, pequenas penitências, prisão, confisco de bens, perda de liberdade e tortura até à pena de morte aplicada pelo poder civil, cuja modalidade mais famosa é o auto-de-fé.3840 41 Apesar disso, ativistas e estudiosos católicos argumentam que a Inquisição papal foi instituída principalmente para impedir e evitar as superstições judiciais (ex: ordália) e os abusos da população ou de governantes seculares,42 como Frederico II, Sacro Imperador Romano-Germânico, que executava "hereges" por questões políticas.42 43
Nos séculos XV e XVI, influenciados pela Reforma protestante, a Inquisição papal foi reorganizada: em 1542, o Papa Paulo III instituiu a Sagrada Congregação da Inquisição Universal.44 No século XIX, os tribunais da Inquisição foram suprimidos pelos Estados europeus, mas ainda mantidos pelo Estado Pontifício. Em 1908, sob o Papa Pio X, a instituição foi renomeada Sacra Congregação do Santo Ofício. Em 1965, por ocasião do Concílio Vaticano II, durante o pontificado de Paulo VI, assumiu o seu nome atual de Congregação para a Doutrina da Fé.44 45
Apesar de salientar que seria um anacronismo interpretar a Inquisição fora do contexto social, cultural e religioso que a viu nascer,46 a Igreja reconheceu recentemente que a Inquisição "é inconcebível para a atual mentalidade e cometeu, para além da crueza própria dos costumes de então, verda­deiros abusos e ­injustiças (como a condenação dos Templários, de Santa Joana de Arc", entre outros).37 Actualmente, a Igreja, compreendendo melhor a liberdade de pensamento, prefere utilizar o diálogo e o ecumenismo para combater as heresias e outros desvios à sua doutrina.35

História[editar | editar código-fonte]

As alterações e acrescentos verificados na doutrina católica no decorrer do tempo são chamados pela Igreja Católica de desenvolvimento da doutrina e justificados pelo fato de que, "apesar de aRevelação já estar completa, ainda não está plenamente explicitada" e, por isso, ao longo da história, a doutrina católica foi sendo enriquecida por novas clarificações, novas definições de dogmas e novos pronunciamentos papais ou conciliares.19

Os sete primeiros concílios[editar | editar código-fonte]

Primeiro Concílio de Niceia (325) formulou o Credo Niceno original, que reconhecia as três Pessoas da Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) e ensinava que JesusFilho de Deus, era consubstancial a Deus Pai. Ao definir a divindade de Jesus, esse concílio condenou o arianismo 47 48 49 . Aliás, um dos dogmas centrais do catolicismo, a Santíssima Trindade, já era amplamente discutido, reflectido e aceite por muitos cristãos antes do Concílio de Niceia: já em 180 d.C., a palavra Trindade era usada por Teófilo de Antioquia. Mas, antes disso, esta doutrina peculiar já aparecia com grande frequência no âmbito da práxisbaptismal (veja-se "Didaquê" 7, 1; e Justino, "Apologia" 1, 61, 13) e eucarística (veja-se Justino, "Apologia" 1, 65-67; e Hipólito, "Tradição Apostólica" 4-13). A fórmula trinitária (Pai, Filho e Espírito Santo) já aparecia também em várias cartas e escritos cristãos (veja-se Inácio de Antioquia, "Carta aos Efésios", 9, 1; 18, 2; e na "Primeira Carta de Clemente Romano" 42; 46, 650 ). No século III, TertulianoOrígenes e Gregório Taumaturgo reflectiram com grande profundidade sobre este dogma católico.51
Primeiro Concílio de Constantinopla (381) definiu que a divindade do Espírito Santo é a mesma do Pai e do Filho. O concílio também reformulou o Credo Niceno, que passou a constar de mais informações sobre a natureza do Espírito Santo, sobre Jesus e sobre outros dogmas importantes. Esse concílio condenou omacedonianismo, o apolinarianismo e, mais uma vez, o arianismo.52
Em 431, o Concílio de Éfeso proclamou a Virgem Maria como a Mãe de Deus (em grego: Theotokos), em oposição a Nestório, que defendia que Maria só devia ser chamada de Mãe de Cristo, porque ela era apenas a mãe da natureza humana de Cristo e não da sua natureza divina. Nestório defendia que essas duas naturezas eram distintas e separadas, algo que o concílio condenou. Além do nestorianismo, o concílio condenou ainda o pelagianismo, que entrava em oposição com a doutrina do pecado original e dagraça desenvolvida por Santo Agostinho, no século V.53 54
Santo Agostinho é considerado um dos Padres da Igreja. Esses teólogos, que viveram entre o século II e o século VII, clarificaram e consolidaram os principais conceitos da fé (ex.: primazia papal, Santíssima Trindade, natureza de Cristonatureza da Igreja, graça, cânon bíblico, salvaçãopecado, etc.), combateram muitas heresias e, de certa forma, foram responsáveis pela fixação e sistematização da Tradição católica. Por isso, o pensamento dos Padres da Igreja são ainda hoje uma base fundamental da construção teológica.55 56
Em 451, o Concílio de Calcedónia definiu que subsistem na única pessoa (prosopon) de Jesus Cristo duas naturezas (divina e humana) unidas (physis): "Jesus é perfeito em divindade e perfeito em humanidade, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, composto de uma alma racional e de um corpo, consubstancial ao Pai segundo a divindade, consubstancial a nós segundo a humanidade"57 58 . Por isso, o concílio condenou o monofisismo de Eutiques, que defendia que Jesus tinha apenas uma natureza, sendo a natureza humana tão unida à natureza divina que foi absorvida pela última. Além disso, o concílio condenou também a simonia.59 .
Terceiro Concílio de Constantinopla (680-681) condenou o monotelismo e reafirmou que Cristo, sendo Deus e homem, tinha as vontades humana e divina 60 . O Segundo Concílio de Niceia(787) definiu a validade da veneração de imagens santas, condenando assim a iconoclastia.61 62

Idade Média[editar | editar código-fonte]

São Tomás de Aquinoafirmou que a  e a razãopodem ser conciliadas, "porque provêm ambas de Deus", sendo a razão um meio de entender a fé.63
Quarto Concílio de Latrão (1215) oficializou uma antiga tradição em que cada católico tinha que receber, pelo menos uma vez por ano, na Páscoa, a confissãoe a Eucaristia (ver os cinco mandamentos ou preceitos da Igreja Católica). Esse concílio defendeu também o celibato clerical, a doutrina da transubstanciação e condenou ainda os albigenses 60 64 65 .
No século XIII, São Tomás de Aquinodoutor da Igreja e autor da Suma Teológica, adaptou a filosofia de Aristóteles ao pensamento cristão da época. Ele é considerado o mais alto representante da escolástica, que é um sistema, movimento e método que procurou reafirmar que a fé supera mas não contradiz a razão. Aliando sempre a filosofia e a teologia, as reflexões e debates escolásticos baseavam-se na leitura da Bíblia e dos escritos dos Padres da Igreja e de vários filósofos.66 67 68
Concílio de Constança (1414-1418) condenou as heresias de John Wycliffe e de Jan Hus, que eram dois famosos precursores da Reforma Protestante 60 . OQuinto Concílio de Latrão (1512-1517) definiu a imortalidade da alma 69 .

Questão do celibato[editar | editar código-fonte]

Primeiro Concílio de Latrão (1123) e o Segundo Concílio de Latrão (1139) condenaram e invalidaram o concubinato e os casamentos de clérigos, impondo assim o celibato clerical.70 71 Mas, é preciso salientar que o celibato obrigatório já foi decretado pelo Concílio de Elvira (295-302). Porém, como era apenas um concílio regional espanhol, as suas decisões não foram cumpridas por toda a Igreja 72 . Outro passo importante na implementação do celibato foi dado noPrimeiro Concílio de Niceia (323), que decretou que "todos os membros do clero estavam proibidos de morar com qualquer mulher, com exceção da mãe, irmã ou tia" (III cânon) 49 . No final do século IV, a Igreja Latina promulgou várias leis a favor do celibato, que foram geralmente bem aceites no Ocidente, no pontificado de São Leão Magno (440-461).72 O Concílio de Calcedónia (451) proibiu o casamento de monges e virgens consagradas (XVI cânon) 59 .
Porém, apesar disso, houve vários avanços e recuos na aplicação dessa prática eclesiástica, chegando até mesmo a haver alguns Papas que eram casados antes de receber as ordens sagradas, como por exemplo o Papa Adriano II (867-872). 73 No século XI, vários Papas, especialmente Leão IX (1049-1054) e Gregório VII (1073-1085), esforçaram-se novamente por aplicar com maior rigor as leis do celibato, devido à crescente degradação moral do clero.72 O celibato clerical voltou a ser defendido pelo Quarto Concílio de Latrão (1215) e pelo Concílio de Trento (1545-1563).72
Atualmente, as leis do celibato aplicam-se somente aos sacerdotes da Igreja Latina, ficando de fora as Igrejas Católicas Orientais e os ordinariatos pessoais para anglicanos, que admitem padres casados, mas os seus bispos são celibatários.74 75 76

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